Eduarda Beatriz Campos Dias
Em outubro de 2022 foram realizadas eleições majoritárias no Brasil. Assim como em 2018 todo o processo eleitoral foi atravessado pela presença e influência das mídias digitais, tal como naquele momento, a sociedade brasileira foi atravessada por uma intensa polarização política cujo forte papel desempenhado pelas redes sociais digitais resultou em conflitos em diferentes setores da sociedade. No meio político, espaço mais apropriado para o debate de ideias, prevaleceu o fundamentalismo ideológico, onde partidos, candidatos e militantes passaram a se tratar como inimigos. A intolerância diante da opção por um ou outro candidato foi capaz de desfazer amizades de longa data, tornar relações de trabalho embaraçosas ou levar artistas que se posicionaram em relação a um ou outro candidato a perder a admiração de seus fãs. Nos círculos de parentes não foi diferente. Reuniões em datas comemorativas, como aniversários, natal e ano-novo, tornaram-se desagradáveis diante de comentários sobre temas que estivessem relacionados, ainda que superficialmente, ao contexto político.
Segundo Batalha (1995), os sistemas de parentesco, de modo geral, são estabelecidos de acordo com dois princípios “ideológicos” básicos, o da afinidade e o da consanguinidade ou filiação. O primeiro representa as relações de parentesco estabelecidas entre dois grupos sociais distintos através do casamento entre duas pessoas pertencentes a grupos de parentesco diferentes. O casamento representa assim não apenas a ligação entre aquelas duas pessoas, mas também entre os dois grupos a que pertencem. O segundo representa os ‘laços de sangue’, que podem ou não ter uma base genética. O parentesco é constituído por indivíduos que compartilham os mesmos valores e, além dos laços de sangue, há uma troca de cuidados e responsabilidades entre seus membros. As redes sociais surgiram como ferramentas do ciberespaço que permitiam a parentes dispersos geograficamente manter contato com grupos aos quais pertenciam. Foi possível afirmar que as relações dos entrevistados com seus familiares no ciberespaço permitem observar que se tratam de comunidades online no sentido atribuído a este termo por Martino (2015) e Lemos (2020), isto é, agregações formadas por pessoas que possuem relações entre si e/ou se reúnem em torno de interesses comuns durante um período de tempo relativamente longo e independentemente de fronteiras ou demarcações territoriais fixas.
A fim de compreender melhor o cenário das relações familiares durante o processo eleitoral brasileiro, em particular aqueles presentes nos grupos de família de WhatsApp, nossa pesquisa procurou investigar, compreender e comparar a ocorrência e os motivos dos conflitos familiares no ciberespaço, mais especificamente nos grupos de família do aplicativo de mensagens WhatsApp, tomando como base a) a literatura que abordou este tema nas eleições de 2018 e b) o período da campanha eleitoral em 2022, que se iniciou em 16 de agosto e foi concluído em 30 de outubro (segundo turno). Este recorte teve como finalidade caracterizar as relações familiares dentro do que Palmeira (2010) define como “tempo da política”, isto é, o contexto social em que os rituais do calendário eleitoral têm implicações tão objetivas na vida e relação dos indivíduos quanto aquelas presente no tempo na quaresma, das festas juninas, da copa do mundo ou do natal.
Para a realização deste trabalho lançamos mão da metodologia qualitativa prevista em Lakatos e Marconi (2003), dividindo-a em duas etapas: a primeira baseada na coleta de dados acerca dos “grupos de família do WhatsApp” por meio da pesquisa bibliográfica e a segunda tendo como base a aplicação e análise de questionário. Dentre os participantes que presenciaram conflitos envolvendo política em seus grupos de família, 60,9% estiveram envolvidos nessas brigas por exporem sua opinião, a partir desses conflitos, a maior parte (73,3%) dos participantes declara ter saído ou sido expulso do grupo por opiniões políticas contrárias às do administrador. Acerca da saída ou expulsão de membros dos grupos de família do WhatsApp, foi possível identificar a presença de hierarquia entre os participantes dos grupos de família do WhatsApp, onde membros específicos detêm o “poder” de remover outros devido a divergências políticas, ao passo que determinados familiares estão mais propensos a serem alvos de expulsão.
Em razão desses conflitos, 56,8% dos respondentes informam terem bloqueado ou sido bloqueados por algum familiar. Através da análise dos dados obtidos com a realização da pesquisa foi possível concluir que os participantes à frente de funções administrativas nos grupos, e que também têm autoridade para remover membros foram majoritariamente Tios/Tias, em seguida de primos/primas e pai/mãe dos respondentes, conforme apontado na Tabela 2. Os tios, cunhados e irmãos estão no topo no que se refere a integrantes expulsos, seguidos dos respondentes e seus primos. Isso demonstra a presença de uma hierarquia entre os membros da família, onde a ideologia política de quem é administrador serve como critério da permanência de outro participante no grupo, o que reflete também nas relações presenciais entre familiares e discussões que ultrapassam os limites do ciberespaço, mas que só poderiam ser verificadas mediante pesquisa qualitativa.
Neste sentido, seria de grande importância a realização de entrevistas para identificar e analisar o conteúdo das informações produzidas pelos interlocutores no intuito de obter, conforme sugere Bardin (1994), as unidades de codificação capazes de dar sentido e significado às evidências obtidas por meio da análise quantitativa.
🇬🇧 The research “Kinship, politics and social networks: Family relationships in Whatsapp groups in the context of the 2018 and 2022 presidential elections” financed by the Pro-Rectory of Research and Graduate Studies at IFPA was completed in February 2022 and reached the following conclusions: 1) the presence of hierarchies among members of WhatsApp family groups; 2) uncles and aunts of the interviewees are mainly responsible for the removal of members due to political conflicts.
🇪🇸 La investigación “Parentismo, política y redes sociales: Relaciones familiares en grupos de Whatsapp en el contexto de las elecciones presidenciales de 2018 y 2022” financiada por la Prorrectoría de Investigación y Posgrado del IFPA culminó en febrero de 2022 y arribó a las siguientes conclusiones: 1) la presencia de jerarquías entre los miembros de los grupos familiares de WhatsApp; 2) los tíos y tías de los entrevistados son los principales responsables de la remoción de miembros por conflictos políticos.